Música e moralidade

Beethoven disse que a música é o vínculo que une a nossa vida espiritual à sensorial. Ela é uma capacidade eminentemente humana de transformar os sons dispersos no ambiente em algo a mais. Com efeito, a capacidade do nosso córtex de reconhecer o timbre já no primeiro dia de idade, diferenciando uma voz da outra, justifica a nossa aptidão para criar, desde antes do nascimento, uma relação de afetividade com aquilo que nos é mais próximo e habitual, e que, mais tarde, definirá o nosso próprio ser.

Essa notória sensibilidade que nós temos ao som importa na sua grande influência para a formação e melhoria das nossas faculdades: a capacidade de tomar decisões, o processamento de informações e a ajustabilidade a novas demandas técnicas e sociais. Todas essas, competências que são comprovadamente influenciadas pela educação musical, e melhoradas quando essa é positiva.

Platão, quando fez uma alusão a Dámon, o grande músico e professor da era de ouro ateniense, tratando do enoplo e do dátilo (cadÊncias musicais composta e heróica), discursou sobre a importância da música na construção de uma vida mais ordenada e corajosa. Afinal, segundo ele, por ter a capacidade, a expressão musical também teria o dever de incitar esses mesmos valores em quem a ouve.

Mais tarde, um sir chamado R. Scruton igualmente pontuou a conexão entre a arte e a moral, afirmando que o caráter ruim de uma música igualmente estimula o mau caráter em seus ouvintes e praticantes. Sendo assim, a arte sonora não pode ser um mero entretenimento imparcial, pois ela pode expressar e incentivar as virtudes – nobreza, dignidade, temperança – e também os vícios – lascividade, indisciplina e materialismo – mesmo que não se perceba de imediato.

Agora, em um momento em que, diferentemente, as novas produções apelam cada vez mais para o lado impulsivo da nossa animalidade, também cada vez mais se aceita a ideia de ouvir sem escutar. Em um momento em que o significado de sucesso e do que seria uma boa e bela composição se tornam relativos ao ganho comercial, nós abraçamos uma cultura de prazer imediato e “comunicação facilitada”, elegendo as vozes do entretenimento como celebridades idolatradas e colocadas na posição de grandes exemplos.

Nesse mesmo momento, mais do que nunca, parece necessário se perguntar o que essas vozes estão dizendo, e se realmente a sua mensagem nos direciona às virtudes morais que fariam jus ao conhecimento já apreendido no passado. Será que eleger um brasileiro pela primeira vez no trending topics do Spotify global é necessariamente um sinal de sucesso?

“A música é uma linguagem que aumenta a capacidade de reflexão e enobrece”, Álvaro Siviero.

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