A era Ancelotti

As palavras “Ancelotti” e “Seleção Brasileira” se relacionam há algum tempo, e ao passo que compartilham uma sonoridade conjunta quase musical, dividem um caso de expectativa e receio que já se desenvolve a meio ano. Após o anúncio da saída do então técnico Tite, ainda durante a Copa do Mundo, deram-se início às especulações quanto a quem poderia comandar o elenco de 26 jogadores responsável por, a cada quadriênio, fazer 200 milhões de brasileiros vestirem o belíssimo verde e amarelo irrestritamente.

Em 90, a resposta ao fracasso de S. Lazaroni foi reformular o jogo com Roberto Falcão. Depois do tetra, em 94, Zagallo deu continuidade ao trabalho de Carlos Alberto Pereira, criando um padrão na Confederação de sempre iniciar uma “nova era” de acordo com o resultado imediato pós copa e as opções mais populares no Brasil.

Entretanto, mesmo com todo o prestígio social e o glamour de quem parecia ser o homem certo para o trabalho, o principal técnico brasileiro à época, Wanderlei Luxemburgo – o homem que queria rejeitar Ronaldinho em 2011 -, após assumir o cargo depois da derrota na final de 98, não só não cumpriu com as expectativas tecnicamente, vendo a seleção ser eliminada nas classificatórias das olimpíadas de 2000 para Camarões (mesmo com dois jogadores a mais em campo) como, com todos os problemas de vestiário, foi demitido no final do mesmo ano.

Voltando a canarinha à estaca zero, com um hiato de menos de dois anos para a próxima Copa, em um esforço homérico, Luiz Felipe Scolari liderou um elenco de notáveis ao quinto título mundial. Agora, 20 anos depois, vendo-se pela primeira vez frente à oportunidade de definir antecipadamente quem sucederia o pregresso time de Tite, a Confederação restou carente de boas opções no cenário nacional.

Cuca, Dorival Júnior, Abel Ferreira, Fernando Diniz, que compuseram as primeiras listas de possibilidades para a sucessão, teriam de arcar com uma pressão ainda maior do que a de Luxemburgo em 98. O Brasil foi subitamente eliminado em Doha quando a linha de zagueiros achou de bom tom avançar com uma vantagem de 1×0 nos quatro minutos restantes para o final do jogo. O fantasma das quartas mostrou a que veio (foi a quarta derrota para um europeu na mesma fase da Copa), e a albiceleste foi erguida nos seis continentes enquanto Emiliano Martinez comemorava de maneira inusitada em rede global. Pequeno dia.

Após o pior resultado de campanha desde a Copa de 90, e vivendo o maior jejum de títulos da sua história, a Seleção Brasileira precisava de uma reformulação que transcendesse o padrão estabelecido e revigorasse o espírito que no passado gritou “vocês vão ter que me engolir“. Assim, ouviu-se especular o nome “Ancelotti”.

O treinador italiano da pequena comuna de Reggiolo é ex-meio campista e apreciador de charutos que, em 2019, foi nomeado um dos 10 maiores treinadores da história pela France Football. Carlos Ancelotti, possui o recorde de maior número de conquistas em torneios interclubes da UEFA e maior número de conquistas na Liga dos Campeões. O técnico já treinou ícones como Ronaldo Fenômeno, Rivaldo, Ronaldinho, Cafu e Kaká, além de, atualmente, comandar o maior campeão europeu.

A ideia do sucesso pela vinda do técnico italiano parecia análoga à disposição de Machado de Assis na sua formação no acervo do Gabinete Real Portugues, onde valeu-se do estrangeirismo e do  ‘espírito resiliente’ para acentuar uma inteligência invulgar e consagrar-se como um dos maiores escritores da história. 

Somado a isso, Ancelotti se disse animado com a ideia de vestir a amarelinha, ao passo que o CEO do Campeonato Italiano, Luigi de Siervo, apontou que “seria um sonho” ver o representante como parte da única seleção cinco vezes campeã do mundo. 

Foram enviadas duas comissões para a Europa para negociar com o italiano, e os brasileiros começaram a fantasiar o sexto título e os novos hinos pelo Movimento Verde e Amarelo. Era sabido que Ancelotti estava em finais de temporada com o clube espanhol, podendo avançar para a próxima fase, e que este tinha um contrato com o Real até 2024. Fato que fez mesmo os melhores madridistas residentes no Brasil torcerem pelos Blues.

Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF, disse que esperaria por Ancelotti até maio, e Galvão já ‘twitava‘ compulsoriamente para que fosse feita uma escolha para o novo técnico imediatamente. Então, a grande expectativa era a de que uma derrota do Real Madrid, comandado pelo italiano, e consequente saída da La Liga e UEFA Champions League naquele mesmo mês, ensejaria em uma mudança de planos no Santiago Bernabéu, tornando os ares do recanto tupiniquim atrativos o suficiente para a sua vinda prematura da Europa. 

Mas como diz o ditado: “crie gato, cachorro ou periquito, mas não crie expectativas”. Apesar da derrota do Real, ao conceder coletiva de imprensa pelo time e ser questionado sobre a novela que atingira o seu clímax com o Brasil, Ancelotti definiu que honraria o seu contrato na Europa.

O mal do idealismo e alegria do brasileiro é que, normalmente, a suspeita é seguida pelas más sentenças. Enquanto alguns já organizavam as comemorações, a possibilidade da vinda do técnico já atravessava o Rubicão.

Houve especulação durante diferentes madrugadas de que assumiria Abel Ferreira. Garantiam “especialistas” que viria Dorival. Por fim, quando razoável parcela de torcedores já havia sucumbido por problemáticas no coração, eis que, na tarde do dia 19 de junho, subitamente, é confirmado: Carlos Ancelotti, após tratativas sigilosas com a Confederação Brasileira de Futebol, será o novo técnico do Brasil.

Ainda que para o desespero de Galvão o italiano só venha no ano que vem, provavelmente enviando o seu filho desde já para compor a sua equipe de transição, a notícia é um alento de esperança para o bom brasileiro que, como não poderia deixar de ser, já costura a sexta estrela na auriverde.